PARA ALÉM DA PRODUTIVIDADE: ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E FORMA DE EXECUÇÃO DE OBRAS REPETITIVAS A PARTIR DOS CONCEITOS DE LEAN CONSTRUCTION

 

RICARDO ROCHA DE OLIVEIRA

Universidade Estadual do Oeste do Paraná (www.unioeste.br - e-mail:ricrocha@certto.com.br)

Rua Universitária, 2069 - Fone (045) 225-2100 r.234 - 85814-110 - Cascavel - Pr.

 

RESUMO

Os conceitos desenvolvidos na década de noventa sobre Lean Construction ou Produção Enxuta na Construção preconizam uma série de pontos importantes a serem discutidos e implantados na forma de organizar a produção de obras, observando-se o fluxo de produção. Entre esses pontos, pode-se destacar não só o aumento da produtividade de obras, mas também outros itens, tais como redução da variabilidade dos índices e dos tempos de execução das tarefas, maior previsibilidade da produção, redução do tempo total de execução das obras e dos serviços, redução de desperdícios, entre outros. O trabalho apresenta uma sistemática que possibilita implantar vários dos conceitos da Produção Enxuta na Construção, através de gráficos e análises, realizadas a partir de dados coletados em obras repetitivas. No artigo descreve-se a metodologia de coleta de dados, os gráficos gerados e as análises realizadas. Como resultado da sistemática, demonstra-se a importância de se observar na forma de planejar e organizar a produção de obras, itens além da produtividade, itens que permitem uma série de vantagens para os processos da construção civil.

1. Introdução

Os conceitos de Lean Construction ou Produção Enxuta na Construção desenvolvidos durante a década de 90 através de congressos, trabalhos em institutos de pesquisas, universidades e empresas tem se apresentado como uma importante caminho de melhoria dos processos na construção civil. Um dos pontos principais desta teoria é a de entender os processos como sendo composto não somente por conversões de insumos em produtos, mas também como composto por fluxos de materiais e informações. A visão tradicional de processos como conversão é baseada no entendimento de que uma obra complexa é composta por diversas tarefas que, abordadas isoladamente, viabilizam a seqüência e execução dos trabalhos convertendo matéria-prima e homens-hora em produto acabado. Na visão da produção como fluxo, há uma série de outros itens a serem atacados para melhoria: redução dos tempos de execução das obras e das tarefas em particular, redução da variabilidade ou aumento da previsibilidade dos processos, redução de desperdícios, e redução de atividades que não agregam valor. Esta posição se relaciona às novas forma de se obter vantagens competitivas, como destaca Slack (1993) sobre o papel estratégico da produção: permitir vantagem competitiva baseada na produção através de qualidade, custo, rapidez, confiabilidade e flexibilidade.

Este artigo apresenta parte do trabalho desenvolvido por uma linha de pesquisa no NIT (Núcleo de Inovações Tecnológicas) e Departamento de Engenharia da UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná. O projeto de pesquisa que originou o trabalho denomina-se Metodologia para Melhoria da Qualidade e Produtividade em Obras de Caráter Repetitivo. Este projeto tem financiamento da FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos, dentro do Programa de Tecnologia de Habitação/HABITARE. O artigo descreve o processo de coleta e análise de dados sobre produtividade. Demonstra-se que além das informações sobre índices de produtividade, notadamente ligados ao modelo de conversão, pode-se definir e utilizar uma série de indicadores voltados aos conceitos da Produção Enxuta, como os itens citados anteriormente, a partir da mesma metodologia de coleta de dados, analisando-se a organização do tempo e forma de execução dos serviços. As obras de caráter repetitivo apresentam particularidades, onde os conceitos de Lean Construction apresentam facilitadores para sua implantação, ou seja, a possibilidade de explorar os efeitos da repetição de atividades.

2. METODOLOGIA EMPREGADA

O projeto apresenta uma metodologia, onde inicialmente faz-se uma análise das obras, para verificação do seu caráter repetitivo e informações sobre a logística de como os processos produtivos utilizados ocorrem. Após a escolha dos serviços, é realizada a coleta de dados através de planilhas desenvolvidas especificamente para cada atividade. A partir dos dados coletados são gerados banco de dados que são analisados e discutidos, através de gráficos e tabelas. A metodologia foi empregada em diversos serviços, de cinco edifícios, conforme apresentado nas tabelas 1 e 2.

Tabela 1 - Características das obras pesquisadas

 

Descrição Geral

Características

Obra 1

Edifício comercial, composto por galeria de lojas e torre com salas comerciais (unidades). Obs.: dados coletados na primeira torre.

17 pavimentos tipo compostos por 4 unidades, 3 subsolos e térreo

Obra 2

Edifício residencial, composto por kitinetes(unidades) e galeria com lojas no térreo.

16 pavimentos tipo compostos por 6 kitinetes, cobertura com salão de festas, térreo e subsolo

Obra 3

Edifício composto por apartamentos residenciais.

12 pavimentos tipo compostos por 2 apartamentos, dois pavimentos duplex, térreo e subsolo

Obra 4

Conjunto residencial composto por 8 blocos. Obs.: dados coletados e analisados em dois blocos.

Blocos formados por térreo mais 4 pavimentos tipo composto por 4 apartamentos residenciais.

Obra 5

Conjunto residencial composto por 8 blocos. Obs.: dados coletados e analisados em dois blocos.

Blocos formados térreo mais 6 pavimentos tipo composto por 4 apartamentos residenciais.

Tabela 2 - Serviços coletados dados na pesquisa

Obra 1

Obra 2

Obra 3

Obra 4

Obra 5

Estrutura

Estrutura1

Estrutura2

Estrutura3

Estrutura4

Estrutura5

Alvenaria Interna

Alv-int1

Alv-int2

 

 

 

Alvenaria Externa

Alv-ext1

 

Alv-ext3

 

 

Reboco Interno

Reb-int1

Reb-int2

 

 

 

Reboco Externo

Reb-ext1

 

 

 

 

Reboco de Teto

Reb-tet1

Reb-tet2

Reb-tet3

 

 

Contra Piso

Con-pis1

Com-pis2

3. RESULTADOS E ANÁLISES

A primeira análise realizada é feita através do diagrama espaço/tempo, onde se identifica a ordem de execução, as interrupções e a execução de diferentes pavimentos ao mesmo. Serviços como o apresentado na figura 1 são caracterizados pela continuidade, onde o fluxo de trabalho ocorre sem interrupções, executado conforme o planejado.

Figura 1 - Dias gastos para execução da alvenaria interna da obra 1

Um exemplo típico de deficiência no planejamento e execução de um serviço é apresentado na figura 2. Observa-se que na execução houve interrupções nos vários pavimentos, devido a falta de recursos à disposição no instante correto, tais como falta de materiais e equipamentos e variação nas equipes de trabalho. Esses itens inviabilizaram a realização contínua do serviço.

Este tipo de informação pode gerar um índice relativo à velocidade de operação, conforme Slack(1993), chamada de eficiência de fluxo (EF), medida da seguinte forma:

EF = tempo de processamento / tempo de fluxo total

Neste índice quanto mais próximo de 1, mais continuidade. Quanto menor o valor do índice, maior o número de dias parados e interrupções e portanto, menos eficaz o processo.

Figura 2 - Dias gastos para execução da alvenaria externa da obra 2

Outro tipo de análise é a dos índices de produtividade ao longo da execução do serviço. Nas obras de caráter repetitivo é típico a ocorrência do fenômeno conhecido como efeito aprendizagem: a melhoria nos índices, a partir da repetição e continuidade dos processos. A figura 3 apresenta um caso de melhoria dos índices de produtividade do serviço. Observa-se uma pequena variabilidade dos valores individuais em relação aos da curva.

Figura 3 - Produtividade da alvenaria interna da obra 1

No entanto, alguns outros índices de produtividade coletados, demonstram uma maior variabilidade. Na figura 4, apesar de se observar o aprendizado, nota-se que a variabilidade em relação a uma curva ajustada é bem maior que o caso anterior. Observou-se no trabalho que alguns serviços, apesar de contínuos em relação ao tempo, apresentaram uma grande variação de equipes de trabalho, o que em parte explicava a variabilidade. Os casos visualizados nas figuras 3 e 4 demonstram outro ponto a ser observado nos processos: o comportamento quanto a variabilidade. No caso de obras repetitivas, ocorre uma variação natural de melhoria nos índices, devido ao efeito aprendizado. No entanto, a melhoria deve ser contínua, sem grandes alterações individuais entre os valores de produtividades diárias. Grande variabilidade indica deficiências nos processos.

Figura 4 - Produtividade do reboco de teto da obra 2

Os gráficos das figuras 3 e 4 se referem a produtividades diárias. Esse tipo de índice apresenta ainda uma variabilidade intrínseca, natural aos processos da construção civil. Por exemplo, a execução de um pavimento de reboco demorando cerca de 3 a 4 dias, reflete trabalhos com diferentes tipos de dificuldade: detalhes presentes em um cômodo que não se repetem em outro, diferentes tamanhos das peças a serem rebocas, etc. Uma forma mais adequada de controle das etapas em obra é através dos ciclos inteiros. Nas obras repetitivas os ciclos são as unidades que se repetem ao longo do projeto (apartamento, residência, pavimento). Um exemplo do controle de consumo de mão-de-obra ao longo dos pavimentos de um edifício está apresentada na figura 6. Observa-se o comportamento típico das obras repetitivas quanto a redução do consumo ao longo das repetições. Outro ponto a destacar é a menor variabilidade dos processos depois de um determinado número de repetições, no caso aqui apresentado a partir do sexto pavimento. Nota-se uma relativa estabilização do processo em um patamar, com pequena variação nos índices e repetição de diversos valores. Portanto, o controle por ciclo é outro parâmetro a ser observado.

Figura 5 - Produtividade do alvenaria interna da obra 2

Outros indicadores utilizados na metodologia estão ligados às diferentes equipes que atuam nos serviços, em termos de composição oficial/servente. Observa-se com os dados uma tendência de equipes menores, da ordem de 2 oficiais e 1 servente, serem mais produtivas que equipes maiores. No entanto, este não deve ser o único indicador. Outro ponto importante é a velocidade de execução. Quando a diferença nos índices de produtividade é apenas marginal, equipes maiores, com maior velocidade de execução podem ser mais adequadas à situação.

4. DISCUSSÃO

Em geral, a busca de indicadores na construção civil esbarra em algumas dificuldades (Koskela, 1992):

No entanto, quando as medições são usados internamente, por uma empresa que coleta dados de forma padronizada e tem projetos semelhantes, as informações se tornam úteis. Além disso, o uso dos dados deve ser focalizado para taxas de melhoria, em vez de valores absolutos, tais como:

As obras de caráter repetitivo apresentam ainda algumas vantagens em seu gerenciamento: possibilidade de controle de ciclos de produção, que ocorrem inteiramente ao longo das unidades repetitivas.

Os conceitos de produção enxuta se referem a itens que devem ser atacados nos processos, tais como: redução da variabilidade dos índices e dos tempos de execução das tarefas, maior previsibilidade da produção, redução do tempo total de execução das obras e dos serviços, redução de desperdícios.

Na metodologia aplicada no trabalho, buscava-se inicialmente indicadores relativos à produtividade. No entanto, a abrangência e a forma da coleta de dados permite ampliar as análises. Além de analisar a produtividade dos serviços, como um valor absoluto, observa-se uma série de outros indicadores: comportamento da produtividade ao longo da execução, produtividade ao longo dos ciclos de repetição, variabilidade dos índices, velocidade de execução das equipes, produtividade das equipes, forma ao longo do tempo da execução do serviços (continuidade e interrupções). A ênfase do trabalho é a obtenção de dados e informações pelas empresas executoras dos serviços, a partir de uma metodologia padronizada, de tal forma a atuar em seus processos na busca de maior eficácia na execução de suas obras ou atividades. Portanto, indo em direção aos princípios ditados pelas teorias da Lean Construction.

5. CONCLUSÕES

É amplamente aceito que as medidas de produtividade são importantes para o gerenciamento dos processos da construção. As medições de produtividade proporcionam um importante meio para obter dados para controlar o progresso dos processos de obras e para estimar o custo de futuros projetos. As medições comparativas de consumos de homens-hora (hh) por metro quadrado de construção tem sido um parâmetro mencionado como referência de busca de melhorias das atividades da construção. Os índices de produtividade são utilizados para o controle de eficiência, através da comparação de valores preestabelecidos (índices históricos do setor, índices históricos da empresa, índices objetivos do projeto).

No entanto, ao entender a produtividade como um valor único e absoluto a ser atingido pelos processos, se confunde com a visão do modelo de conversão, criticado pelos defensores das teorias de Lean Construction. O artigo apresenta uma metodologia empregada em pesquisa realizada em diversas obras, demonstrando que é possível ir além da análise da produtividade, com um valor absoluto. Deve-se entender que a eficácia dos processos deve ser medida por uma série de indicadores, que possam contribuir para melhoria da atividade construtiva em diversos pontos, tais como: redução da variabilidade e maior previsibilidade dos processos, aumento da velocidade de execução das obras e redução dos custos. A metodologia empregada no trabalho permite a obtenção de indicadores que cobrem boa parte dos itens mencionados.

Portanto, antes de ver a produtividade como um valor único a ser atingido, deve-se buscar uma família de indicadores que possam contribuir para as melhorias da empresa, especialmente aquelas ligadas à obtenção de vantagens competitivas.

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Koskela, Lauri. Application of the New Production Philosophy in Construction. Technical Report 72. Technical Research Centre of Finland, August, 1992

Slack, Nigel. Vantagem Competitiva em manufatura: atingindo competitividade nas operações industriais. São Paulo: Atlas, 1993

7. AGRADECIMENTOS

- FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos

- Construtora Formato Ltda.

- Construtora JL Ltda.